Coaching, Autoconhecimento e Filosofia – Um encontro natural

Escrito por Sandra Maria de Sousa Pereira – Imagens – IA e Pixabay

Sempre que me deparo com alguma matéria, vídeo, post ou meme nas mídias, que tem o objetivo de desmerecer ou desqualificar o Coaching, penso no quanto de desconhecimento há sobre esse processo tão valioso para o desenvolvimento humano.

Provavelmente, para essas pessoas, o coaching é algo novo, mais um modismo sem nenhuma fundamentação e profundidade. Certamente desconhecem que o coaching tem suas raízes na Grécia clássica e, principalmente, em Sócrates e Platão.

O método de ensino de Sócrates, filósofo grego, baseava-se no diálogo, que tinha um propósito moral de chegar ao saber e à verdade, a partir de uma convicção interna, acessada por perguntas que visavam encorajar a reflexão de seus discípulos, para que encontrassem as respostas por si mesmos.

Esse método, conhecido como maiêutica, usado hoje em diversas atividades modernas, entre elas a terapia tradicional e o coaching, baseia-se no pressuposto de que cada pessoa tem a capacidade de encontrar a verdade que está oculta em si mesma e que só ela mesma pode descobrir, podendo ser ajudada por outras pessoas nessa jornada.

Também Platão enfatizava a importância da conversação e do diálogo como método de conhecimento do ser. Referia-se a estas como “belas conversas”, considerando o diálogo como um meio de autoconhecimento. E pensava, como Sócrates, não ser possível ensinar nada a ninguém. É possível somente acompanhá-lo nessa descoberta da verdade única e absoluta.

Essa é, em primeiro lugar, a função do coach: acompanhar a pessoa no seu processo de reflexão, de modo que encontre as respostas dentro de si e, a partir daí, entre em ação para construir uma vida melhor, com mais satisfação e bem-estar com ela mesma e com a sua vida.

O coaching e a maiêutica compartilham o mesmo objetivo de ajudar as pessoas a descobrirem suas próprias respostas e a desenvolverem seu potencial. Ambos se baseiam na premissa de que a pessoa já possui as respostas dentro de si e que o papel do coach ou do filósofo é ajudá-la a acessá-las.

Esse é um dos pressupostos do coaching de que eu mais gosto, que se refere ao uso de perguntas: o cliente tem as respostas, o coach tem as perguntas e os recursos (ou o potencial para buscá-los).

Os recursos de que as pessoas precisam estão dentro delas mesmas

● As pessoas já dispõem de todos os recursos de que necessitam ou então podem criá-los – não existem pessoas sem recursos, apenas estados mentais sem recursos

● As pessoas sabem mais do que aquilo que acham que sabem

● O Coachee tem as respostas, o Coach as perguntas (SOCIEDADE PORTUGUESA DE COACHING PROFISSIONAL, 2022 b).

Cabe ao coach ser perceptivo e criativo na formulação das perguntas poderosas, que levarão o seu cliente às descobertas que ampliem seu repertório de estratégias para lidar com as suas questões.

De todos os pressupostos do coaching, este é o que mais enfatiza a visão sobre desenvolvimento humano a partir do respeito à pessoa, sua história e capacidade de aprender e evoluir.

O coach baseia seu trabalho no respeito à realidade do cliente, seus valores e escolhas, não devendo julgar nem conduzir o cliente àquilo que acha certo na sua perspectiva individual. Cabe a ele criar as condições para que o cliente descubra e defina seu próprio caminho.

Enquanto para os filósofos gregos, o caminho para essa verdade interna era percorrido por meio do uso da razão, no coaching, o cliente busca sua verdade não só a partir da razão e do pensamento, mas também integrando o corpo e emoções.

Outra diferença é que Sócrates seguia a premissa de Parmênides (“O ser é, o não ser não é”), ou seja, tinha uma visão de ser humano imutável, de natureza fixa, que era a verdade a ser alcançada por meio do autoconhecimento.

Já no coaching, embora o autoconhecimento seja fundamental para que o cliente conheça sua essência, crenças, valores, emoções, forma de funcionar etc., é a partir desse “conhecer-se” que o cliente pode buscar evolução e transformação como pessoa, de acordo com o que quer alcançar em sua vida pessoal e profissional.

Ou seja, no coaching o ser humano é visto como sendo capaz de evoluir, de aprender e transformar sua identidade.

O que se busca por meio do diálogo não é a verdade absoluta, mas a verdade subjetiva, individual, a tomada de consciência, que motiva o impulso para a ação e transformação.

Nesse aspecto, o coaching aproxima-se mais da visão de Aristóteles, que distingue duas formas de ser: o ser em ato e o ser em potência, sendo que a metodologia básica para se tornar o que se deve ser é a ação (hábito).

No coaching, a transformação, apoiada no autoconhecimento, só ocorre a partir da ação, que promove a mudança e a criação de novos hábitos, com o objetivo de trazer à luz o potencial das pessoas, ou seja, a sua melhor versão.

Advirto, sejas quem fores,

Oh! Tu, que desejas sondar os mistérios da natureza,

que se não encontrar dentro de ti mesmo o aquilo que procuras,

tampouco poderás encontrá-lo fora.

Se ignoras as excelências de tua própria casa,

como pretendes encontrar outras excelências?

Em ti se encontra oculto o Tesouro dos Tesouros

Oh! Homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os deuses.

(Frase do Templo de Delfos na Grécia – Apud STISCIA, 2018, p.11)

Essa frase está escrita na entrada do templo de Delfos (Grécia), construído em honra a Apolo, deus grego do sol, da beleza e da harmonia. Muito conhecida na filosofia e nas religiões, atravessou os tempos, sendo quase impossível não lembrar dela quando se fala de autoconhecimento.

Além do “conhece-te a ti mesmo”, que é sua parte mais famosa, é essencial prestar atenção também ao seu início: “se não encontrar dentro de ti mesmo o aquilo que procura, tampouco poderás encontrá-lo fora.”

No processo de coaching, o cliente é provocado a se autoconhecer cada vez mais, devendo encontrar as suas próprias respostas, o que é alcançado com o apoio do coach, que é expert na arte de fazer perguntas poderosas, sem cair na armadilha das respostas prontas ou da indução.

O coach ajuda o cliente a ampliar constantemente seu autoconhecimento, identificando seus pontos fortes e fracos, valores e crenças, emoções e gatilhos comportamentais, entre outros aspectos relevantes para o seu desenvolvimento pessoal e profissional.

O autoconhecimento é fator essencial e base para o desenvolvimento pessoal e profissional, por se tratar de um processo profundo e permanente, que permite ao indivíduo conhecer e aceitar quem é, seus valores, potenciais e armadilhas e entender como esses aspectos impactam suas atividades, comportamentos e relacionamentos.

Ao ampliar o autoconhecimento e a reflexão sobre a sua realidade, o cliente aumenta o repertório de significados e, portanto, de possibilidades de ação no mundo.

Como vimos, há muita convergência e transversalidade entre a Filosofia, o Autoconhecimento e o coaching, considerado como processo de desenvolvimento humano.

A filosofia contribui para que o cliente amplie sua percepção sobre as questões essenciais da vida, sobre si mesmo, seu lugar no mundo e seu lugar de fala.

O coaching, por sua vez, é uma metodologia que busca ajudar as pessoas a descobrirem suas próprias respostas e a desenvolverem seu potencial, assim como a maiêutica de Sócrates.

Uma diferença entre a Filosofia e o coaching é que a filosofia pode ser vista como uma disciplina mais teórica e reflexiva, enquanto o coaching é uma metodologia mais prática e aplicada.

No entanto, ambas têm em comum o objetivo de ajudar as pessoas a desenvolverem seu potencial e a alcançarem seus objetivos, a partir da reflexão sobre suas questões e busca de respostas autênticas e individuais.

O coaching, na sua essência de espaço privilegiado de potencialização do autoconhecimento e do desenvolvimento humano, por meio da reflexão e da ação, reforça suas conexões com a Filosofia, do pensar a si mesmo e ao mundo, ao mesmo tempo em que promove a ação intencional e consciente do ser humano no mundo e sua complexidade.

Referências:

BARRET, Richard. Coaching Evolutivo: Uma Abordagem Centrada em Valores para Liberar o Potencial Humano. (1ª. edição). Rio de Janeiro: Qualitymark, 2015.

BRADBERRY, Travis. The massive benefits of boosting your Emotional Intelligence. 2020. Disponível em <https://www.weforum.org/agenda/2020/02/emotional-intelligence-career-life-personal-development/>. Acesso em12/11/2022

DA MATTA, Vilela e VICTORIA, Flora. Positive Coaching® – Livro da Metodologia. São Paulo: SBCoaching, 2016

SOCIEDADE PORTUGUESA DE COACHING PROFISSIONAL. Sobre o Coaching. Sociedade Portuguesa de Coaching Profissional. Disponível em: <http://www.sp-coaching.pt/sobre-o-coaching/>. Acesso em: 16/10/2022 a

Código de Ética. Sociedade Portuguesa de Coaching Profissional. Disponível em: <http://www.sp-coaching.pt/codigo-de-etica/>. Acesso em: 16/10/2022 b

STISCIA, Stefania. Origens e Fundamentos Teóricos do Coaching. Espanha: FUNIBER – Fundação Universitária Iberoamericana, 2018.

WOLF, Francis. Sócrates: O Sorriso da Razão. Coleção Encanto Radical. São Paulo: Brasiliense, 1982.

Artigo publicado inicialmente na Revista Coaching Brasil

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